A história da UX no Brasil

Toda tentativa de montar um relato sobre um período relativo de espaço-tempo gerará tensões sobre perspectivas da pessoa observadora e da pessoa observada.

Ação coletiva na formação da área no país

(Allegorical Map — art by Russell Zeidner for Placeholder project, designed by Brenda Laurel and Rachel Strickland, 1993) — Em homenagem a Brenda Laurel, quem utilizou o termo “user’s experience” pela primeira vez. Origem da imagem: https://bit.ly/Brenda_Laurel_Art — Vale a visita!

Toda tentativa de montar um relato sobre um período relativo de espaço-tempo gerará tensões sobre perspectivas da pessoa observadora e da pessoa observada. Terry Eagleton em seu livro “Ideia de Cultura” propõe uma análise do processo histórico de modo que se perceba a mudança histórica e, com ela, a mudança de significado que os fatos possuem para os sujeitos que os vivenciam em cada período. O que estou propondo aqui, como ponto de partida, é trazer uma visão particular, de quem viveu (e ainda vive) ativamente a construção da prática da Experiência do Usuário (em inglês, UX — User Experience).

Minha jornada nesse campo inicia em 1995, advindo da Computação. No começo, eu tinha pouca clareza sobre o que estava sendo construído entre a intersecção de tecnologia, design e disciplinas das ciências humanas. Minha vontade era desenvolver interfaces digitais e assim fui estudar Design na Universidade Federal do Paraná e de alguma forma fui conectando estudos de interfaces digitais da Computação, através do campo da Interação Humano-Computador (IHC), ou ainda em alguns cursos da Interação Humano-Máquina. No design, essa prática ficava na Ergonomia e das iniciantes User Interface Design e Design Digital. Na Comunicação Visual ainda existia o estudo da Arquitetura da Informação e do Design Informacional.

Tudo isso foi sendo misturado no caldeirão dentro da minha cabeça e foi sendo colocado em prática por projetos digitais desenvolvidos profissionalmente na web. Muitos livros, artigos científicos e matérias de revistas especializadas dessas áreas foram entrando na minha biblioteca e fui sistematizando essas conexões sob o rótulo de Design de Interação.

Utilizo muito a metáfora de um grande guarda-chuva para nominar a área de UX para ter uma visão mais sistêmica deste campo. Concordo com o Don Norman nesse video abaixo, quando diz que o termo está sendo mal compreendido e mal utilizado ultimamente. Porém, vale uma ressalva no vídeo e uma correção histórica, pois o termo foi utilizado pela primeira vez por Branda Laurel, no artigo “Interface as Mimesis” de 1986, na época diretora do departamento de games da Atari.

Video da NN/g com legendas em português.

Trazendo um pouco mais dessa reflexão sobre a tarefa de reunir a História da UX no Brasil, cito ainda Peter Burke no livro “História e Teoria Social”, que define a perspectiva antropológica do historiador cultural afirmando, que “quanto mais distante uma cultura está de nós, mais facilmente podemos tratar sua vida cotidiana como objeto de estudo”. Por isso, uma grande dificuldade para mim sempre foi construir esse espaço de estranhamento diante do campo da Experiência do Usuário, pois sempre estive muito envolvido como profissional, professor e pesquisador — a ponto de fomentar os primeiros grupos de praticantes e iniciantes, os primeiros eventos, as primeiras conexões com associações internacionais, os primeiros cursos no país e depois vindo a saber, as primeiras ações na América Latina.

Dada toda essa contextualização, eu me arrisco a fazer uma primeira versão de pontos importantes na construção da História da UX no Brasil. Sigo o conceito de história de Jacques Le Goff em “História e Memória“, onde diz que “é a ciência que estuda o ser humano e sua ação no tempo e no espaço concomitantemente à análise de processos e eventos ocorridos no passado”. Dado isso, trago uma primeira visão baseada no que vivi, estudei, pesquisei e ajudei a construir como um observador-participante dessa história.

Gostaria de convidar outras pessoas, que também vivenciaram esse período, a enviar contribuições para enriquecer esse documento e assim gerarmos novas atualizações dessa linha do tempo, que conta um pouquinho da história desta prática profissional muito importante para o crescimento do mercado digital e que se preocupa, principalmente, da humanização das tecnologias no nosso país.

Linha do tempo da UX no Brasil.

Assim como no Design, ocorrem discussões alongadas sobre quando se inicia a prática desta profissão. O mesmo ocorre aqui por haver diferentes linhas que se conectam para formar o campo de UX. Mesmo havendo iniciativas no campo de interfaces digitais desde os anos 1960, coloquei como ponto de partida a constituição do SIGCHI (Special Interest Group on Human Computer Interaction) em 1982, pertencente a ACM (Association for Computing Machinery – essa criada em 1947), que congrega as principais instituições e pessoas pesquisadoras da Computação no mundo. Outro desafio foi realizar um contorno epistemológico, pois no mesmo recorte desta pesquisa há o surgimento e fortalecimento de outras práticas no Design, que se alimentam entre si em uma bela dança simbiótica.

As contribuições podem ser enviadas para este link ou deixadas aqui nos comentários deste Medium. O documento segue a licença de Creative Commons com a Atribuição (CC BY-NC-SA) — uso não comercial e compartilhamento pela mesma licença. Esta licença impede o uso comercial, mas permite a distribuição desde que se use a mesma licença, cite a fonte e o autor.

Link para baixar o PDF com melhor resolução.

Vamos continuar essa história?

Referências

BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Editora UNESP, 2012.
BURKE, Peter. O que é história cultural. São Paulo: Editora Zahar, 2021.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2011.
LE GOFF, Jacques. História e memória. São Paulo: Editora UNICAMP, 2013.

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